segunda-feira, 1 de junho de 2015

01/06 -- Dia Nacional da Imprensa

01/06 -- Dia Nacional da Imprensa

História e Comunicação

A construção de um modelo de história dos sistemas de comunicação.

Um historiador disse certa vez que os meios de comunicação têm uma história, embora nem sempre haja historiadores dispostos a estudá-la. Essa máxima é também profundamente verdadeira no que se refere ao Brasil. A análise histórica dos meios de comunicação tem sido, o mais das vezes, relegada a segundo plano. Por outro lado, numa espécie de contradição, nas Faculdades de Comunicação proliferam as disciplinas que falam, pelo menos em tese, de variadas histórias: história da comunicação, história da imprensa, história do rádio e da televisão, história da publicidade, entre outras menos cotadas.
Seriam necessárias tantas “histórias”? Qual a diferença entre uma história da comunicação e uma história da imprensa? Onde estariam os limites entre uma história do rádio e da televisão e uma história dos livros e das bibliotecas? Não seria mais apropriado postular-se, então, uma história dos sistemas de comunicação?
Mas para isso é preciso saber de que história estamos falando, que visão de história é essa que é capaz de visualizar o processo de comunicação, entendido como um sistema complexo, onde é preciso dar voz não apenas aos produtores de mensagens e às mensagens, mas sobretudo a quem recebe e se apropria, de forma diferenciada, dessas mensagens.
No limiar do século XXI ainda ficamos ensimesmados num conceito ou numa visão de história ultrapassada, definida pelo objeto e não pela forma como se conduz a sua análise. Daí a existência de múltiplas histórias, quando deveríamos produzir uma história dos sistemas de comunicação.
Essa história - na qual se destaca a apreensão do social como total e a percepção da narrativa histórica como artefato literário - visualizaria o processo da comunicação como um sistema, no qual tem tanta importância o conteúdo da mensagem, o produtor da mensagem, como também a forma como o leitor/espectador entendeu, nos limites de sua cultura, os sinais emitidos ou impressos. Importa, pois, numa história dos sistemas de comunicação a apropriação diferenciada de mensagens feita por um leitor/espectador, um sujeito social e histórico, vivendo num mundo pleno de significados.
A primeira questão que se coloca na visualização dessa história dos sistemas de comunicação é, pois, a da percepção daquilo de H. White denomina o “fardo do historiador” . O historiador precisa mostrar que o valor do estudo do passado está no fato de que esta reinterpretação - feita também por um sujeito histórico e nos limites de sua própria subjetividade - pode fornecer perspectivas sobre o presente que contribuam para a solução dos problemas peculiares ao nosso tempo. Ou seja, o objeto mesmo do historiador, embora localizado no passado, estaria sempre inserido no presente.
Os fatos, por outro lado, não são “dados” objetivos ou descobertas. Na verdade, eles são elaborados a partir do tipo de pergunta que se faz acerca dos fenômenos que se colocam diante do pesquisador.
Mas porque estudar o passado? Qual a razão de se refletir sobre processos comunicacionais também à luz da sua condição passada e não à luz da sua condição presente, onde afinal existem fatos palpáveis ou pelo menos que se oferecem imediatamente à contemplação?
Responder a essa questão, tão subjetiva quanto qualquer análise, pressupõe inserir na reflexão a questão do tempo. Cabe a história fornecer uma dimensão temporal à consciência que o homem possui de si mesmo. O mundo que é presente para o homem do final do século XX, na verdade existiu sob a forma de um futuro sempre desconhecido e, quem sabe, ameaçador para outros homens que, nessa linha fictícia, ilusória, de um tempo linear comum a uma concepção cristã ocidental, estavam, em relação ao hoje, localizados no passado.
Mas a história não serve apenas ao aprofundamento de uma visão que privilegie a categoria da descontinuidade. Aliás, há variadas maneiras de se fazer história e sua própria forma narrativa assume um aspecto ou outro em função de como a trama foi engendrada e dos objetivos do historiador.
A obra do historiador pode ser diacrônica ou processual por natureza, salientando a mudança e a transformação no processo histórico. Pode também ser sincrônica ou estática, acentuando o fato na continuidade estrutural. O historiador pode achar que a sua tarefa é evocar o espírito de uma época passada ou acreditar que lhe cabe sondar o que está por detrás dos acontecimentos a fim de revelar “leis” ou “princípios” de uma época. Alguns historiadores consideram que a sua obra é fundamental para o entendimento dos problemas e conflitos sociais existentes. Outros eliminam essas preocupações presentistas e tentam determinar em que medida aquele período do passado diferia do seu.
Qualquer que seja a relação do historiador com o seu objeto não se pode eliminar o sujeito histórico, que reconstrói aquele tempo, da própria natureza do que foi escrito. A vivência, a subjetividade e as visões de mundo do narrador do presente estarão sempre contidas em qualquer história.
Assim, ao se visualizar o passado, procede-se a uma reinterpretação - onde a subjetividade está inserida - para tentar entender o presente e nesse processo, promover mudanças. Afinal é para isso e, só para isso, que serve o conhecimento científico.
Mas para elaborar uma história dos sistemas de comunicação é preciso também - e esta é a segunda questão - considerar a natureza do texto histórico. Perceber o texto histórico como ficção não é tarefa fácil. Amarrado há mais de dois séculos na dicotomia existente no espaço discursivo, que se estruturava pela oposição entre fato e ficção, o texto histórico carregou, sob a égide do padrão rankiano, suas tintas na defesa dessa oposição. Mas nos últimos vinte anos uma mudança significativa vem ocorrendo de forma acelerada.
Em meados do século XIX, a hegemonia do positivismo fez com que uma disciplina ou a prática da cultura fosse explicada primeiramente por sua história. A literatura era assim a história da literatura: acumulação de fatos sobre escritores e escritos passados. Mas com o passar do século, a literatura passou a ser vista como um conjunto de normas e procedimentos, aquilo que Jakobson chama a sua “literariedade”. Mas a história - como o grande paradigma do positivismo - continuou a resistir ao paradigma da “literariedade”.
Mas a resistência cede gradualmente - apesar das críticas ainda contundentes a este tipo de abordagem - espaço à percepção da narrativa histórica como uma “invenção” da narrativa. O historiador que luta para representar os fatos “como eles realmente aconteceram” está assim comprometido com a positividade. Mas na medida em que é também um escritor - engajado nas transformações retóricas - e um crítico - comprometido com uma visão do que o mundo não é - expõe a negação daquela positividade.
Essa percepção da narrativa histórica não como “real”, mas como “inteligível” remete a um texto de Roland Barthes publicado dois anos depois do magistral trabalho de Fernand Braudel sobre o Mediterrâneo . Nesse artigo, explicita a crítica a uma certa historiografia que procurava manter o privilegiado status assumido pela história do século XIX, quando queria tornar seu texto próximo do “real”, postulando, assim, um estatuto científico. Como demonstrou White, a história tem muito a ganhar ao restabelecer uma ligação cada vez mais íntima com suas bases literárias.
E talvez o maior ganho seja o de não forçar uma distinção entre fato e ficção, visualizando na própria obra o elemento ficcional e percebendo nos relatos do passado a sua característica de texto, onde estão presentes diferentes formas de imaginação. Ancorados em teorias literárias, os historiadores passaram a considerar os documentos na sua carga de textualidade e a inserir nesses textos uma relação de natureza dupla: do autor e do leitor .
O texto histórico como artefato literário
A narrativa história seria assim, fundamentalmente, uma ficção verbal, cujos conteúdos são tão inventados como descobertos e cuja forma tem mais em comum com os textos literários, do que com a formatação discursiva dos seus correspondentes nas ciências.
Esse pressuposto, na verdade, parte de uma premissa básica: a de perceber e de reconhecer o papel ativo da linguagem, dos textos e das estruturas narrativas na criação e na descrição da realidade histórica.
A dimensão fictícia e imaginária de todos os relatos não quer dizer que eles não tenham acontecido, mas sim que qualquer tentativa de descrever os acontecimentos (mesmo os que estão acontecendo agora) deve levar em conta diferentes formas de imaginação.
Mas o texto histórico é artefato literário também pela sua forma narrativa. Nele os acontecimentos são convertidos em história pela supressão ou pela subordinação de uns a outros, pela caracterização, pela repetição do motivo, pela variação do ponto de vista, enfim, pelas estratégias descritivas, empregando-se técnicas que, segundo White, encontrariam similares no enredo de um romance ou de uma peça .
Assim, o texto histórico é sempre ficcional na medida em que o modo como determinada situação histórica será narrada dependerá também da forma como o historiador harmonizará a estrutura específica daquele enredo com o conjunto de acontecimentos que deseja conferir um sentido singular: e isso é uma operação literária, isto é, criadora de ficção.
Como um sistema de signos, a narrativa histórica aponta também para os acontecimentos descritos e para o tipo de estória ou mythos que o historiador escolhe para servir como ícone da estrutura dos acontecimentos. Descrevendo acontecimentos contidos no registro histórico, procura informar ao leitor o que deve ser tomado como ícone desses acontecimentos, transformando-os em algo familiar para ele, leitor.
A narrativa história seria, portanto, mediadora entre os acontecimentos relatados e a estrutura do enredo pré-genérica, convencionalmente utilizada para dotar de sentido os acontecimentos e situações não-familiares.
Como estrutura simbólica, não reproduz os eventos que descreve. Como estrutura simbólica, informa, na verdade, a direção que devemos pensar acerca dos acontecimentos. A narrativa histórica não imagina o que descreve: ela traz à mente imagens daquilo que indica como uma metáfora.
Assim, as histórias não são lidas como símbolos inequívocos dos acontecimentos que relatam, mas como estruturas simbólicas, metáforas que comparam os acontecimentos que estão nesses relatos à forma como foram relatados e que já são familiares numa cultura letrada.
A história pode, portanto, ser contada de inúmeras maneiras, fornecendo, igualmente, diferentes interpretações daqueles eventos e dotá-los, também, de sentidos diversos. Também na escrita da história, a escolha dos fatos e da forma narrativa determinam histórias a serem contadas de maneira igualmente diversas. Mas por que essas escolhas resultam em representações alternativas e como sendo, em princípio, excludentes, são inteligíveis para o público? Apenas porque os historiados partilham com o seu público de certas preconcepções de como aquele evento deveria ser descrito, preconcepções essas que derivam de fatos extra-históricos, ideológicos, estéticos ou míticos.
Chamar, portanto, uma narrativa histórica de ficção não a deprecia, nem muito menos retira-lhe a possibilidade de ser criadora de conhecimento. Na verdade, a codificação do texto histórico de uma forma ou de outra - em enredos específicos - revela como uma sociedade pode tornar inteligível (através de sua cultura) tanto o passado pessoal, quanto o passado público.
Mas a história não descreve, apenas, eventos. Nessas narrativas estão contidos também conjuntos de relações possíveis entre esses eventos, conjuntos esses que não são imanentes aos próprios eventos, existindo, portanto, apenas na mente do pesquisador que reflete sobre eles. E nessa conceituação estará presente o mito, a fábula, o conhecimento científico e a própria cultura do historiador.
Por outro lado, como é tarefa do historiador tornar familiar aquilo que, a princípio, não é familiar, ele deve lançar mão de uma linguagem eficaz. Assim, usa como instrumento característico de codificação, comunicação e intercâmbio a linguagem culta habitual, escolhendo a figurativa como forma mais eficaz de dar sentido a seus dados, tornar familiar o estranho, enfim, tornar compreensível um passado, a princípio, misterioso.
A distinção mais antiga entre ficção e história, na qual a ficção é concebida como a representação do imaginável e a história como a representação do verdadeiro, deve dar lugar, pois, ao reconhecimento de que só se pode conhecer o real comparando-o ou equiparando-o ao imaginável. As narrativas históricas são estruturas complexas em que se imagina um mundo existindo pelo menos de dois modos: um codificado como real e outro que se revela como ilusório no decorrer da narrativa.
Portanto, é uma ficção do historiador pensar que o que ele descreveu com começo, meio e fim seja verdadeiro ou real e que ele simplesmente registrou o que aconteceu. Na verdade, tanto aquilo que representa o ponto inicial de sua narrativa, como o que se localiza como ponto final são inevitavelmente construções, que dependem também de uma linguagem figurativa capaz de dar o aspecto de coerência.
Essa concepção permite, por outro lado, ler os textos, sem reduzi-los a funções meramente figurativas, representativas ou sintomáticas. Percebendo os textos e os contextos históricos na sua complexidade, visualiza-se também o papel ativo da linguagem na construção dos próprios objetos e dos métodos dos historiadores. O estudo da história deve ser, pois, num certo sentido o estudo da linguagem, sem, entretanto, visualizar o mundo só em termos de linguagem ou a linguagem como um reflexo do mundo, aquilo que Domenique LaCapra classifica, no primeiro caso, como “imperialismo do texto” e no segundo “contextualismo redutivo” .
Essa concepção não elimina a perspectiva de fazer uma história social, uma vez que há nessa visão a possibilidade de dar conta de uma complexa realidade, afinal o objetivo perseguido por todos os historiadores do social .
Na verdade, pressupor na análise a interrelação entre texto e contexto é deixar de ver os textos, os documentos de uma época, como meros reflexos daquela época. Os textos não são documentos que revelam ou refletem um lugar, um tempo, uma cultura históricos coerentes e relativamente unificados. Ler os textos dessa forma reduz sua complexidade e também obscurece a complexidade do próprio contexto. O contexto não é uma realidade pré-linguística, descrita pela linguagem com fidelidade. Pelo contrário. A realidade esteve sempre presente nos processos textuais que, muitas vezes, os historiados não examinam.
Assim, cabe ao historiador ler o contexto como “intertextualidade” e não partindo da noção causal de reflexão. Afinal, o passado também chega até nós sob a forma de textos e remanescentes textuais - memórias, relatos, escritos publicados, arquivos, monumentos, etc. - transformados em contexto pelo próprio pesquisador.
E onde ficam os sistemas de comunicação?
Como fazer, então, uma história dos sistemas de comunicação? Em que medida cada um desses postulados é primordial para a construção desse entendimento do mundo?
Em primeiro lugar deve-se entender como as idéias são transmitidas, como os meios de sua transmissão têm enorme ingerência na própria significação da mensagem e como o contato com essa palavra (escrita, impressa ou imagética) afeta o comportamento de um sujeito histórico inserido num tempo e lugar, ambos de natureza social.
Uma história que visualize a comunicação como um sistema deve, portanto, responder as questões fundamentais que revelam também o próprio circuito da comunicação. É preciso se debruçar sobre a mensagem, sobre o construtor daquelas mensagens, sobre os meios de transmissão e, na ponta extrema do processo, sobre um receptor que apreende e se apropria de forma diferenciada daquelas mensagens.
O modelo proposto por Darnton, mesmo que o historiador norte-americano o tenha limitado a análise dos textos impressos em livros, não serve apenas a este propósito. O ciclo da vida que ele observa nos livros impressos, existe na verdade em variados sistemas de comunicação: os nomes dos personagens mudam, mas o circuito permanece mais ou menos intacto .
Enquanto nos impressos esse circuito da comunicação vai do autor ao editor, ao impressor, ao distribuidor, ao vendedor e chega ao leitor, nos meios mais imediatos como a televisão esse circuito, permeado de uma idéia a mais - a oralidade -, também percorre um caminho, pressupondo menos intermediários, que acaba num espectador. Também esse espectador se apropria de forma diferenciada das mensagens que entram num espaço doméstico, privado e repleto dos símbolos dessa condição.
Seja no caso do leitor, seja no caso do espectador, o final desse circuito pressupõe uma influência sobre o autor tanto antes quando depois do ato de difusão da mensagem. Os próprios autores são leitores. Num meio ou no outro, os autores se dirigem a leitores/espectadores que existem, tem vida, vontade própria, se constituindo como sujeitos históricos.
Assim, os meios de comunicação transmitem mensagens, transformando-as durante o percurso, conforme passam do pensamento para o texto ou para o espetáculo, para a letra impressa, para a imagem que se recebe e, de novo, para o pensamento.
Uma história dos sistemas de comunicação procuraria ver todo esse processo, em todas as suas variações no tempo e no espaço e em todas as suas relações com outros sistemas: o econômico, o social, o político, enfim, o cultural.
Essa história dos sistemas de comunicação, sugerida por Darnton quando propõe um método inovador para desvendar o chamado circuito da comunicação, se constitui para outros teóricos numa história das práticas de leitura .
Essas práticas incluem não apenas as relações com os objetos que servem de suporte à transmissão da mensagem, mas a própria relação, no caso específico, com os textos apropriados por leitores reais.
Esses leitores reais e múltiplos apreendem as mensagens também a partir de uma multiplicidade de aptidões e expectativas, que se inscrevem num universo de natureza cultural.

Um mesmo texto ou uma mesma mensagem tem usos extremamente variados dependendo do universo de leitores/espectadores a que se destina. Devemos assim considerar como central na análise o texto, o espetáculo, a mensagem ou o leitor/espectador que o lê ou é dado a ver?
Ao visualizar nas nossas análises uma absoluta eficácia do texto ou das mensagens transmitidas por esses sistemas de comunicação, ditando tiranicamente o significado da obra ao leitor/espectador, não estaríamos negando toda a autonomia no ato de ler/ver?
Os historiadores dos impressos vêm mostrando há décadas que ler não significa apenas submissão ao mecanismo textual. Ler é uma prática criativa que inventa significados e conteúdos singulares, de modo algum redutíveis às intenções dos autores dos textos. Ler é uma resposta, um trabalho, ou, como diz Michel de Certeau um ato de “caçar em propriedade alheia” .
A história ofereceria, assim, duas abordagens distintas, mas não excludentes, para possibilitar a montagem dessa história dos sistemas de comunicação, localizada sempre espacial e temporalmente: reconstruir a diversidade a partir de vestígios múltiplos e esparsos e identificar as estratégias utilizadas pelos produtores de textos para impor uma ortodoxia da leitura. O leitor encontra-se invariavelmente inscrito no texto e este, por sua vez, inscreve-se de múltiplas formas em seus diferentes leitores.
Uma história dos sistemas de comunicação, portanto, deve articular a mensagem aos produtores e receptores, visualizando a face desse receptor, as formas como realizavam leituras diferenciadas e, sobretudo, a singularidade ao se apropriarem dessas mensagens.
A comunicação é um processo que envolve a produção da mensagem, a sua emissão e a sua apropriação por alguém que é, acima de tudo, um sujeito histórico concreto. Visualizar a história dos sistemas de comunicação é perceber todo esse circuito e só assim realizar uma reinterpretação que possibilite recuperar formas culturais inscritas num passado.
Qualquer compreensão desse sistema depende, também, fundamentalmente da forma como esta comunicação chega ao leitor/espectador. Nenhum processo comunicacional existe fora do suporte que lhe confere legibilidade. Estabelecer a complexidade dos estudos dos objetos de comunicação como um sistema, ao mesmo tempo histórico e cultural, exige, pois, que se considere o texto/emissão, o objeto que o comunica e o ato que o apreende.
A magnífica pesquisa de Roger Chartier sobre os impressos da chamada Biblioteque Bleue mostra fundamentalmente também como as formas de impressão têm ingerência sobre a própria apropriação das mensagens. Essa fórmula editorial adotada entre 1700 e meados de 1800, com a finalidade de atrair um público leitor mais numeroso e popular, adotou estratégias comunicacionais inscritas na própria configuração impressa: títulos que indicavam a mudança de temática; xilografia que resumia o conteúdo da obra; diminuição do formato; reedição, com uma linguagem mais simples e, sobretudo, mais direta, de textos já publicados .
Assim, os livros da Biblioteque Bleue tornam-se populares não pela característica exclusivamente textual/autoral, mas através de uma intervenção editorial, cuja finalidade era fazê-los ajustar-se a leitores potenciais que os editores queriam atrair. E é a partir da análise de um corpus variado e ao mesmo tempo uniforme de textos que Chartier visualiza o leitor e as leituras do século XVIII.
Esse mesmo exercício metodológico pode ser utilizado em variados espaços e tempos sociais. Estruturar uma história dos sistemas de comunicação na cidade do Rio de Janeiro, logo após a vinda da Família Imperial ou no momento em que essa imprensa desempenhou um papel peculiar no período que antecede à Abolição - inserida no contexto de formação uma verdadeira cidade política que emergiu na cena urbana do Rio de Janeiro no início dos 1880 -, apenas para citar exemplos localizados no XIX, pressupõe, pois, que se considere não apenas os mecanismos de cerceamento da atividade de impressão e difusão da informação, mas a forma como essa informação, oficial ou clandestina, circulava. E mais: que tipo de veículo lhe servia de suporte? Quem era o leitor dessas publicações e como ele realizava as variadas leituras possíveis? Dentro de que limites? E, finalmente, como se apropriavam das mensagens de maneira sempre singular e particular?
Uma história dos sistemas de comunicação visualiza, assim, não apenas o objeto suporte da difusão de um tipo de comunicação. Analisa relações de natureza social que existem no lugar e no tempo de circulação dessas mensagens. Analisa produtores de mensagens e leitores. Pessoas comuns, com visões de mundo, tradição, sentimentos, idéias e ideais que vivem num mundo pleno de significados.
Estudar a comunicação e a sua história é, sobretudo, visualizar um processo onde está sempre em foco um sujeito histórico e social que produz significados ao viver quotidianamente.
Fonte: www.eca.usp.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário