sábado, 5 de dezembro de 2015

À flor da pele - Tatuagem






Tatuagem: uma mensagem no corpo

Mais que um ato de rebeldia, uma forma de comunicação

A tatuagem, ou dermopigmentação, há milhões de anos vem incomodando ou causando admiração em pessoas ao redor do mundo. Já foi motivo de fé e religião, criminalização, identificação, rebeldia e arte. Atualmente é questão de estilo, marca de expressão e (por que não?) comunicação. Não são apenas desenhos, mas textos, frases, letras, cores e outros elementos; que formam a mensagem que é transmitida a cada um que observa essa arte corporal. Para quem escolhe marcar a pele, a tatuagem pode transpor um significado elaborado e bem mais profundo ou ser simplesmente uma marca que agrada.

Duas das seis tatuagens do estudante Gustavo

Para o estudante de Direito, Gustavo Lourenço, 22, suas tatuagens adquiriram significado depois de feitas. Ele imprimiu sua primeira marca no corpo aos 19 anos e atualmente possui seis desenhos. “Por incrível que pareça, não busquei significado na hora de escolher os desenhos para tatuar. Só que depois, quando as pessoas viam minhas tatuagens, ficavam me perguntando o significado. Aí então eu tive que pesquisar pra poder explicar. Eu tenho desenhado no corpo a representação do espírito do pássaro asteca, um coração maori, o versículo bíblico do livro do Apocalipse, um símbolo da proteção Maia, um átomo e um símbolo trinitas”, explica Gustavo. Mas antes de marcar o corpo de forma tão definitiva, o estudante se preocupou com o preconceito que poderia enfrentar. “Eu pesquisei se legalmente poderia ser impedido de exercer algum cargo dentro da minha profissão caso tivesse as tatuagens. O que eu descobri é que os concursos públicos mais tradicionais têm como restrição apenas a tatuagem no rosto e pescoço se a imagem for ofensiva. Do contrário, se o candidato for impedido, é questão de preconceito, que é inconstitucional”, analisa. Mas ainda assim ele teve cautela: todas suas tatuagens foram feitas estrategicamente em locais que ele possa cobrir usando roupas simples como uma camisa e calça.

Membros da Yakuza são proibidos de entrar em alguns estabelecimentos

O preconceito com tatuagens é uma questão histórica e cultural. Em 787, o Papa Adriano I baniu a tatuagem da Europa, sendo caracterizada como ato demoníaco e vândalo. Sucedendo esse período, foi vez da dermopigmentação ser a marca dos marinheiros e em seguida identificação de presidiários, passando por marca dos soldados da primeira guerra mundial e identificação de judeus pelos nazistas. Tem também em seu histórico a máfia japonesa Yakuza. Seus membros mantêm a tradição de tatuar o corpo todo e por isso, alguns estabelecimentos comerciais proíbem a entrada de pessoas com tatuagens visíveis.


Ainda hoje, a tatuagem pode adquirir um significado pejorativo. Este é o caso dos desenhos feitos dentro de prisões que adquirem um significado de acordo com o crime cometido. A ilustração feita na pele de um punhal transpassando uma caveira pode significar latrocínio ou assassinato de policiais, por exemplo.

Hoje, porém, a tatuagem já foi desmistificada. O que antes era característica de classes mais baixas, marginalizadas, atualmente é expressão para todas as raças, idades e classes sociais. Preconceito dentro de casa nunca foi barreira para a pintura, como conta o estudante João Soares (25): “Meu pai tem os dois braços e peitos tatuados”. João se sentiu influenciado e quando amadureceu a ideia, resolveu fazer o que sempre teve vontade: “Decidi fazer flores de lótus e uma fênix no braço, no peito, uma carpa e nas costas, um samurai matando um demônio. Escolhi esses desenhos porque gosto muito desse tipo de tatuagem e achei que ficaria um pouco mais diferente”. Assim que saiu do estúdio após fazer uma de suas tatuagens, o estudante sentiu na pele (literalmente) a criminalização da tatuagem em forma de preconceito. “Eu fui colorir minha tatuagem do peito, concluí o processo e saí do estúdio. Estava passando na rua quando uma senhora de idade olhou pra mim de cima em baixo, viu minhas tatuagens, grudou na bolsa e atravessou a rua”, lembra bem humorado da situação. Para ele, o preconceito está relacionado à idade: “As pessoas mais velhas tendem a não gostar. Isso porque antes as tatuagens não eram tão comuns como são hoje”.

Outro tema polêmico é a dermopigmentação como homenagem para relacionamentos. João mesmo já passou por isso. Tatuou o nome da ex-namorada nas costas, mas se arrependeu e para cobrir, fez o desenho do samurai. Este é o caso mais comum, segundo o tatuador Márcio Alexandre Benício, o Xuxo. “90% das mulheres que tatuam o nome de namorado, voltam depois no meu estúdio para cobrir”, analisa. Mesmo sabendo disso, Xuxo é categórico: “Eu não me meto. A única vez que dei minha opinião, que realmente pensei que a mulher não se arrependeria, – afinal, ela e o namorado estavam há mais de 5 anos juntos – , eu quebrei a cara. A mulher depois de algum tempo voltou e me disse que tinha terminado”. Esse inclusive foi o caso da advogada Eva Oliveira, 24, que no momento da entrevista estava retocando sua tatuagem e aproveitou para cobrir o nome do ex-namorado, com quem terminou há quatro meses.


“Essa questão de tatuagem é coisa de estilo. Tem gente que fica bem, tem gente que não. […] É como uma vestimenta, só que definitiva”

O tatuador Xuxo só desenha nos outros, mas sua pele é livre de marcas

O mais inacreditável é que contrariando todos os estigmas, Xuxo, que é tatuador há 11 anos, não tem sequer uma marca na pele. “Essa questão de tatuagem é coisa de estilo. Tem gente que fica bem, tem gente que não. Não dá pra fazer só porque está na moda ou por embalo. É como uma vestimenta, só que definitiva”, brinca o tatuador. Quando questionado sobre a possibilidade de marcar sua própria pele, ele responde: Acho que algumas pessoas até ficam bem tatuadas, mas não eu. Nunca tive vontade e nem pretendo fazer”, conclui.

Pra ele, o preconceito não é mais tão predominante. “Pra mim essa história de preconceito por causa de tatuagem está caindo. A tatuagem era marginalizada porque os desenhos eram caveiras, serpentes, a morte, homenagens a facções… Hoje tem pessoas que me pedem para desenhar a Santa Ceia, tatuar o nome da mãe”. Ainda sim, ele acredita que tudo depende do senso e do limite. “Uma vez um cara me pediu pra tatuar um dragão ao longo de seu braço todo. Eu tatuei. Às vezes passo pela rua e vejo ele andando de blusa de manga cumprida em pleno verão”, lembra.

Elder mostra seu mais novo objetivo: a tatuagem da águia no pescoço

O lugar a ser tatuado também pode contribuir muito para a forma como as pessoas vão encarar a tatuagem. “A mão é um dos piores lugares para se ter uma tatuagem, porque é muito visível. Eu aconselho a pessoa a não fazer, mas se ela insiste, eu faço”, conta Xuxo. Apesar de entender a situação, muitas pessoas não se importam com a reação dos outros. Elder Soares, 28, é motorista e está decidido a tatuar o pescoço desenhando a cabeça de uma águia. “Minha namorada até gostou do desenho, mas não do local que eu escolhi para tatuar”. Ele acredita que com relação ao mercado de trabalho, tudo depende da competência: “Se o cara tiver qualificação profissional, a tattoo não é impedimento. Se o empregador não aceitar o profissional apenas pelo fato dele ter uma tatuagem, é sinal de que não vale à pena trabalhar com pessoas assim. Não é certo você deixar de fazer o que gosta por ninguém”, finaliza.

A ornamentação do corpo é uma forma de expressão, seja ela qual for. Várias mudanças ocorreram no seu significado, mas fica claro a cada dia que o preconceito é intolerável e que a tatuagem foi, é, e continuará sendo fenômeno cultural.

Veja também:

Vida de tatuador

O tatuador Marquinho

Muitas pessoas têm curiosidade em saber como alguém toma para si oficialmente a profissão de tatuador. Marco Aurélio da Silva, o Marquinho, 37, é tatuador e artista plástico há 19 anos. Tudo começou com um dom natural. Ele sempre desenhou e quando um amigo tatuador percebeu a sua habilidade, o convidou para fazer as ilustrações pro estúdio. “Na época, eu fazia os desenhos no papel pra ele, mas não ficava dentro do estúdio porque eu era menor de idade e era proibido”, explica Marquinhos. Esse amigo então foi embora da cidade e deixou uma ideia pro aprendiz: “Ele se mudou e como percebeu que eu estava me aprimorando nos desenhos, deixou alguns materiais pra mim e disse pra eu seguir esse ramo que eu ia dar certo”. Foi em

1995 que ele começou efetivamente a tatuar. Os primeiros clientes foram o irmão e a cunhada. Segundo ele, o material na época era de difícil acesso: a comprar era feitas através dos correios e o custo era alto. “Os equipamentos eram caros e ainda hoje não são vendidos pra qualquer um. Tem que ter o cadastramento na ANVISA e na Vigilância Sanitária. Pra seguir esse ramo tem que ter regularização e essa parte é importante. Tem que ter cuidado com a saúde”, finaliza o tatuador.

A Associação dos Tatuadores e Perfuradores do Brasil disponibiliza em sua página do Facebook, o Código de Ética Profissional dos Tatuadores e Perfuradores do Brasil. Um de seus artigos prevê: “Art. 2º – A tatuagem e o body piercing são profissões comprometidas com a saúde da pessoa humana e dos bons costumes. Atua na promoção do bem estar individual, respeitando os princípios éticos, morais e legais da sociedade”.

O cuidado com a saúde é fundamental. Sabe-se que, em caso de agulha infectada, a probabilidade de contágio é de 16% para hepatite B, de 12% para hepatite C e 0,5% para HIV.

https://versusrevista.wordpress.com/tag/tatuagem/

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